Trabalho infantil afeta 1,6 milhão de crianças e adolescentes no Brasil
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Iniciativas da Fundação Roberto Marinho atuam na prevenção e combate ao trabalho infantil por meio da aprendizagem profissional e formação das redes de proteção

A erradicação do trabalho infantil até 2025 era uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. O prazo expirou, mas a realidade permanece alarmante: cerca de 138 milhões de crianças e adolescentes ainda estão nessa condição em todo o mundo, segundo estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Apesar dos avanços obtidos nas últimas décadas, o problema persiste. Para ampliar a conscientização, foi instituído o dia 12 de junho como o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, com o objetivo de informar, promover debates e mobilizar a sociedade para enfrentar essa grave violação de direitos.
De acordo com a PNAD Contínua 2023, do IBGE, o Brasil registrou 1,6 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil. Desse total, 586 mil estavam envolvidos nas piores formas dessa prática.
O trabalho infantil é caracterizado por atividades perigosas e prejudiciais à saúde, ao desenvolvimento físico, mental, social e moral das crianças, interferindo diretamente na escolarização. Trata-se de uma violência estrutural que potencializa outras violações e compromete o presente e o futuro desses indivíduos.
Crianças e adolescentes submetidos ao trabalho infantil têm mais chances de frequentar ambientes inseguros e se expor a múltiplas formas de violência. Esse grupo também tem os seus direitos violados, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), incluindo o direito à vida, saúde, liberdade, respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária, educação, cultura, esporte, lazer, profissionalização e proteção no trabalho.
“Estamos diante de uma realidade que se reinventa constantemente. Além das formas tradicionais, surgem novas expressões como o trabalho infantil digital e o empreendedorismo precoce, muitas vezes naturalizadas. Precisamos desconstruir mitos e questionar esses novos modelos. Independentemente da forma, trabalho infantil é violação de direitos”, alerta a secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Katerina Volcov.
O FNPETI organiza anualmente uma série de ações para dar visibilidade ao tema. Com o slogan “Toda criança que trabalha perde a infância e o futuro”, a campanha de 2024 busca incentivar a sociedade e o poder público a adotarem medidas concretas para enfrentar essa realidade. A iniciativa conta com a correalização do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Justiça do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da OIT.
Iniciativas desenvolvidas pela Fundação Roberto Marinho contribuem para a prevenção e enfrentamento ao trabalho infantil por meio do programa Aprendiz Legal, que promove a inclusão produtiva digna de adolescentes e jovens, e do projeto Crescer sem Violência, que atua para mobilizar e formar redes de proteção e direitos de crianças e adolescentes. A partir dessas experiências, a Fundação Roberto Marinho apoia a sensibilização para a causa e é membro das instâncias estaduais do Fórum, nos estados de Pernambuco (FEPETIPE) e do Rio de Janeiro (Fepeti RJ).
Aprendizagem profissional
A aprendizagem profissional é uma política pública que promove a inclusão produtiva de adolescentes e jovens entre 14 e 24 anos, além de pessoas com deficiência, para as quais não há limite de idade. Para participar, é necessário estar matriculado e frequentando a escola, caso o ensino médio ainda não tenha sido concluído.
O jovem contratado por meio da Lei da Aprendizagem tem a carteira assinada e acesso a direitos trabalhistas como salário-mínimo, 13º, FGTS, férias e vale-transporte. Essa modalidade alia educação, geração de renda e inserção no mercado de trabalho de forma legal e protegida.
Segundo o Boletim da Aprendizagem, divulgado pelo Ministério do Trabalho, o Brasil conta com cerca de 650 mil aprendizes. No entanto, se a cota mínima prevista em lei fosse cumprida, esse número poderia chegar a 1 milhão de jovens.
Para adolescentes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, que precisam ajudar financeiramente à família e/ou sustentar a si mesmos, a aprendizagem se apresenta como uma alternativa concreta à informalidade, ao trabalho infantil e a outras formas de exploração.
Alzira Silva, supervisora de inclusão produtiva da Fundação Roberto Marinho, destaca que “a política pública da aprendizagem profissional tem papel estratégico no enfrentamento ao trabalho infantil. Ela cria oportunidades reais para que adolescentes e jovens ingressem no mundo do trabalho de forma segura, qualificada e em conformidade com seus direitos. Ao integrar teoria e prática, a aprendizagem contribui para romper ciclos de violências, exploração e negação de direitos”.
Desde 2005, a Fundação Roberto Marinho desenvolve o programa Aprendiz Legal, em parceria com organizações da sociedade civil, já tendo impactado centenas de milhares de jovens. No ano passado foi lançada a Coalizão Aprendiz Legal, com o objetivo de fortalecer essa política pública em colaboração com o Ministério do Trabalho e Emprego e apoio da Secretaria Nacional da Juventude, Unicef e OIT.
“A Coalizão Aprendiz Legal se destaca ao oferecer ferramentas voltadas à formação integral das juventudes, promovendo competências socioemocionais, educação midiática e letramento digital. Essa abordagem amplia o repertório formativo dos jovens, fortalece seu protagonismo e garante uma inserção digna e segura no mundo do trabalho, contribuindo para a superação das desigualdades e para a construção de um futuro com mais justiça social”, conclui Alzira.
Crescer sem Violência
Quando crianças e adolescentes ingressam precocemente no mercado de trabalho, geralmente em contextos informais e sem proteção adequada, a escola passa a competir com as exigências da vida laboral — e frequentemente é deixada de lado. Essa exclusão compromete não apenas o direito à educação, mas aumenta a exposição a múltiplas formas de violência.
A escola desempenha papel fundamental ao ensinar direitos, promover estratégias de autoproteção e atuar como elo entre os estudantes e os serviços de proteção social e de saúde. Educadores e demais profissionais escolares são, muitas vezes, os primeiros a identificar sinais de abuso, negligência ou exploração. Além disso, a escola funciona como ponto de conexão com os serviços de proteção e saúde, oferecendo suporte para crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade.
“O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) é peça-chave no enfrentamento ao trabalho infantil. Para isso, é essencial uma articulação contínua e coordenada entre órgãos públicos, sociedade civil e serviços de proteção”, afirma a líder de projetos da Fundação Roberto Marinho, Cinthia Sarinho.
Ela acrescenta: “O fortalecimento do SGDCA exige que seus profissionais conheçam suas atribuições e atuem de forma integrada na promoção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes, além de investimentos em políticas públicas intersetoriais eficazes”.
Com esse propósito, a Fundação Roberto Marinho criou, em 2009, o programa Crescer sem Violência, que já formou mais de 14,7 mil profissionais em todos os estados brasileiros para atuar na prevenção e combate às diversas formas de violência contra crianças e adolescentes. O projeto também articula redes, forma agentes do SGDCA e desenvolve materiais educativos e de comunicação.
“Iniciativas como o Crescer sem Violência fortalecem a rede de proteção por meio de conteúdos qualificados, formação de profissionais, participação em fóruns e construção de planos voltados à erradicação do trabalho infantil e à proteção do adolescente trabalhador”, conclui Cinthia.
