O MAR serenou as nossas almas
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“Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela, será que ela mexe o chocalho ou o chocalho é que mexe com ela... Será que desperta gingando e já sai chacoalhando pro trabalho...”
Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, 24 mulheres que ocupam as mais diversas funções na Fundação Roberto Marinho começaram seu trabalho na última sexta-feira, dia 17, de uma forma diferente e inspiradora: visitaram duas exposições no Museu de Arte do Rio (MAR).
A primeira delas, “Clara Nunes”, traz imagens inéditas registradas pelo fotógrafo Wilson Montenegro, que mostram, com muita cor e talento, a relação da Clara com o Rio, em especial a região da zona portuária.
Clara Nunes
Na exposição, as fotos descortinam aspectos ricos da vida da cantora e conseguem passar a força de uma mulher que chacoalhou o país com seu gingado único, sua voz inconfundível, seu cabelo enfeitado com conchas e búzios, além dos lindos colares de flores, que sempre usava em suas apresentações. Impressionam a conexão imediata e a empatia que os registros provocaram em todas nós.
Para a especialista em Mídias e Operações Comerciais, Andrea Braga, “estar aqui me trouxe lembranças da infância, e reforçou a imagem que tenho da Clara ser uma mulher guerreira, que tinha uma relação muito forte com o Rio e a religiosidade afro-brasileira”. Já a coordenadora de RH, Ana Carolina Moraes, disse que “a exposição estava encantadora ao retratar momentos da sua história por meio de belas fotografias”, concluiu.
Um defeito de cor
Guiadas por Tatiana Paz e Daiani Araújo, da equipe do Educativo do MAR, deixamos o foyer da Escola do Olhar para conhecer a exposição principal, intitulada “Um Defeito de Cor”. Trata-se de uma revisão historiográfica da escravidão abordando lutas, contextos sociais e culturais do século XIX.
Luiza Goulart, líder de projetos da FRM, com razão, já estava preocupada com spoilers, já que a exposição é uma interpretação do livro homônimo da escritora mineira Ana Maria Gonçalves, que conta a saga de uma mulher africana chamada Kehinde, que, no Brasil, precisa lutar por sua liberdade e reconstruir sua vida.
São 400 obras de arte entre desenhos, pinturas, vídeos, esculturas e instalações de mais de 100 artistas de localidades como Rio de Janeiro, Bahia, Maranhão e até mesmo do continente africano - em sua maioria negros e negras, principalmente mulheres. Além disso, a exposição tem obras inéditas de Kwaku Ananse Kintê, Kika Carvalho, Antonio Oloxedê, Goya Lopes, produzidas especialmente para homenagear o livro.
Começamos a nossa viagem pela exposição ao atravessarmos uma instalação que reproduz o útero, com fios que vinham do teto, feitos com minúsculas miçangas vermelhas. Paz e acolhimento logo na entrada. Difícil dizer o que chama mais a atenção, porque, ao percorrer o espaço, uma explosão de cores e símbolos nos contam histórias que levam a um passado que ainda se faz muito presente em nossos cotidianos, infelizmente.
Como afirma Andrea Braga, uma das mais entusiasmadas: “A exposição conta com um acervo belíssimo que leva à reflexão de que muitas lutas, contextos sociais e culturais do século XIX, continuam extremamente atuais”.
A gerente do setor jurídico da Fundação Roberto Marinho, Ana Erika, estava fascinada com o que via. Quadros, esculturas e tecidos faziam com que ela começasse a imaginar como esses objetos ficariam lindos em sua casa.
Exercício feito, aliás, inclusive por mim. Não só pela beleza dos objetos, mas também pela representatividade que carregam. “Achei a exposição muito impactante, mágica, bela e criativa”, afirma Ana, "mas também dolorosa, em alguns momentos, como na última instalação, de roupas de crianças baleadas”.
Ana se refere à instalação da artista Priscila Rezende (Ou Abstinência), que revela 80 peças de roupas suspensas por fios de nylon e perfuradas à bala. A obra, segundo a educadora Tatiana Paz, demonstra que os corpos de pretos e pretas, de favelados e faveladas continuam sendo os mais atingidos pelas balas perdidas em nosso país.
Ouvimos o relato, muitas com lágrimas nos olhos, e todas, sem exceção, com um aperto na existência. Foi o momento de nos colocarmos no lugar das mães que perderam seus filhos. Mas, silenciosamente, torcemos por dias melhores, com equidade, direito a uma Educação de qualidade, respeito e oportunidades iguais para todos, alguns dos pilares da instituição onde trabalhamos.
Celebramos o Dia Internacional da Mulher com poesia, empoderamento. Emoção e encanto. Lutas e fé. Podemos nos chamar Carol, Ana Erika, Andrea ou Luiza. Mas somos todas Clara Nunes e Kehinde.