Notícia: Mesmo com subnotificação, violência sexual contra crianças cresce no Brasil

Crescer sem Violência, iniciativa do Canal Futura, participa de agendas pelo Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
 

Ilustração mostra duas personagens conversando. A adulta senta sentada em um sofá lilás. A menor de pé a sua frente. O cenário é colorido com as cores amarela e lilás predominantes.
Trecho da série Que Corpo é Esse?, desenvolvida pelo Crescer sem Violência e exibida pelo Canal Futura

O Brasil registra, em média, sete denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes por hora. Em 2023, mais de 65 mil vítimas foram contabilizadas, segundo a edição mais recente do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2024). Os dados englobam casos de estupro, pornografia infantil e exploração sexual envolvendo pessoas de 0 a 17 anos. Em relação a 2022, os registros apresentaram um aumento médio de 26%.  

Para dar visibilidade ao tema e fortalecer as ações de enfrentamento, o dia 18 de maio foi instituído como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

“É um marco importante de mobilização para a proteção de crianças e adolescentes. A data nos lembra da necessidade de esforços contínuos, tanto por parte do poder público quanto da sociedade civil, no enfrentamento das violências sexuais. No entanto, é fundamental que as ações não se limitem a esse período e aconteçam durante todo o ano”, ressalta Priscila Pereira, coordenadora do programa Crescer sem Violência

Segundo Priscila, está prevista uma programação extensa entre os dias 19 e 23 de maio. Parte das atividades será organizada de forma independente por estados e municípios, mas haverá também uma agenda nacional em Brasília, liderada pelo Ministério dos Direitos Humanos. Um dos destaques é o simpósio que reunirá representantes de organizações governamentais e da sociedade civil. Neste ano, além da participação na programação oficial, a equipe foi convidada a apresentar o Crescer sem Violência como uma boa prática para toda a rede presente. 

Desenvolvido desde 2009 pelo Canal Futura e pela Fundação Roberto Marinho, o Crescer sem Violência é um programa voltado ao enfrentamento das múltiplas formas de violência contra crianças e adolescentes. Em diversas regiões do país, a iniciativa promove a capacitação de educadores e profissionais da rede de proteção, campanhas de comunicação sobre o tema e a distribuição de materiais pedagógicos, formando uma ampla rede de mobilização. O programa conta com a parceria do Unicef e da Childhood Brasil. 

O que é violência sexual? 

De acordo com o Atlas da Violência (2025), a violência sexual é qualquer ação em que uma pessoa, valendo-se de sua posição de poder e/ou utilizando força física, coerção, intimidação ou influência psicológica, obriga outra pessoa — de qualquer sexo e idade — a participar, presenciar ou se envolver de alguma forma em interações sexuais. Também se configura como violência o uso da sexualidade da vítima com fins de lucro, vingança ou outras intenções. 

Essa forma de violência se manifesta em diversas situações: estupro, abuso incestuoso, assédio sexual, sexo forçado no casamento, práticas eróticas não consentidas, pornografia infantil, pedofilia e voyeurismo, por exemplo. 

Priscila Pereira, coordenadora do programa Crescer sem Violência, chama atenção para práticas de exploração sexual pouco discutidas e, por vezes, até naturalizadas em certos contextos: “É importante não normalizar práticas que envolvem troca de favores, pagamentos em dinheiro ou qualquer tipo de comercialização da sexualidade de crianças e adolescentes. No ambiente digital, essas formas de violência sexual se diversificaram ainda mais”, alerta. 

Uma dúvida frequente é o que fazer ao presenciar uma situação de violência contra crianças ou adolescentes. Segundo Priscila, há diferentes caminhos: se a situação estiver acontecendo no momento — ou seja, em flagrante — o indicado é ligar imediatamente para a Polícia Militar. Se for um caso que exige investigação, o ideal é acionar o Disque 100, serviço que recebe denúncias anônimas. Também é possível entrar em contato com o Conselho Tutelar do município. 

A violência sexual e a infância 

Em 2023, 83.988 pessoas foram vítimas de estupro e estupro de vulnerável — o equivalente a um caso a cada seis minutos. Em 60% dessas ocorrências, as vítimas tinham até 13 anos. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2024), a maioria das vítimas são meninas (88,2%), crianças negras (51,9%) e têm entre 10 e 13 anos (32,5%). 

“Ao contrário do que muitos imaginam, a maioria dos casos acontece dentro da residência das vítimas e é cometida por adultos muito próximos ou familiares. Também temos observado uma tendência preocupante de redução da faixa etária das vítimas — cada vez mais, crianças na primeira infância estão sendo atingidas por esse tipo de violência”, alerta Priscila Pereira, coordenadora do programa Crescer sem Violência. 

Ainda segundo o Anuário, 86,2% dos casos de estupro de vulnerável são cometidos por familiares ou pessoas conhecidas, e 61,7% dos crimes ocorrem dentro da casa da vítima. 

“É fundamental que tenhamos um diálogo aberto com crianças e adolescentes. Eles precisam ser orientados desde cedo sobre o que são toques inadequados. E, como sociedade, devemos garantir que espaços como a escola, unidades de saúde e demais ambientes frequentados por eles sejam locais de prevenção, proteção e acolhimento”, reforça Priscila. 

Apesar dos números alarmantes, eles não retratam por completo a realidade vivida pelas vítimas, já que muitos casos não são registrados. Isso é ainda mais evidente nas ocorrências de exploração sexual, uma das formas mais difíceis de notificação. 

Em 2023, foram registradas oficialmente apenas 1.255 denúncias de exploração sexual de crianças e adolescentes. No entanto, o próprio Anuário destaca que esse número está muito abaixo da realidade, especialmente entre meninos e meninas em situação de vulnerabilidade. Apenas a Polícia Rodoviária Federal mapeou nove mil pontos vulneráveis à exploração sexual infantojuvenil no país. 

“A exploração sexual é a face mais difícil da violência sexual de ser notificada. Atuamos em territórios com registros oficiais muito baixos desse tipo de crime, mas, ao dialogar diretamente com as crianças, constatamos um número expressivo de relatos. Existe uma imensa subnotificação em todo o país. Pesquisas indicam que apenas 10% dos casos são oficialmente registrados”, explica Priscila. 

Crescer sem Violência 

“O Crescer sem Violência contempla materiais voltados a diferentes faixas etárias e públicos. É uma tecnologia social gratuita e acessível, inclusive com recursos de acessibilidade”, destaca Priscila. “Esse recurso contribui significativamente para a implementação da Lei 14.679, que trata da formação de profissionais da educação e da saúde para identificação e notificação de casos de maus-tratos, negligência e violência sexual contra crianças e adolescentes”, completa. 

Com o objetivo de ampliar o acesso a informações qualificadas que ajudem no enfrentamento às violências contra crianças e adolescentes, o Canal Futura produziu a série Que Corpo é Esse? Com classificação indicativa livre, o programa aborda diversos temas, como saúde emocional, compartilhamento de fotos, racismo, aliciamento online e muito mais, de forma lúdica e sensível. A série está disponível gratuitamente no Globoplay.

Para Priscila, o diálogo é peça-chave na proteção de crianças e adolescentes: “Podemos protegê-los ao falar sobre autoproteção, confiar em seus relatos e encaminhar denúncias de forma acolhedora e responsável. É fundamental lembrar que a responsabilidade por acolher e agir não é apenas da família, é de todos nós”.

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