Frei David, defensor do sistema de cotas, é reconhecido como Empreendedor Social Sênior pela rede global Ashoka
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Há 30 anos, Frei David tem liderado um movimento para ampliar o acesso de jovens negros e de baixa renda ao ensino superior e a posições de decisão no mundo do trabalho
A Ashoka anunciou Frei David Santos como o mais novo integrante brasileiro de sua rede global de Empreendedores Sociais. Em um país onde 56% das pessoas se autodeclaram pretas ou pardas, Frei David impulsiona a institucionalização da agenda da igualdade racial nas políticas públicas, trazendo à tona o lugar do racismo na configuração das desigualdades sociais brasileiras. Ele foi pioneiro na fundação do primeiro pré-vestibular comunitário no Brasil voltado para estudantes negros e de baixa renda, além de liderar um movimento social que resultou na aprovação da Lei de Cotas (12.711/2012) para o acesso ao ensino superior, cuja revisão foi sancionada pela Presidência da República, no último dia 13/11.
"Frei David personifica o espírito de empreendedores sociais que geram transformações profundas ao desafiar as estruturas que perpetuam injustiças e discriminação", diz Rafael Murta, diretor de Comunidade e Territórios Transformadores da Ashoka no Brasil. "A Lei de Cotas, por exemplo, desencadeou um movimento em cascata que levou à implementação de modelos semelhantes para assegurar o acesso de pessoas negras aos concursos de servidores públicos e a representação proporcional de candidatos negros nas eleições legislativas. Frei David liderou muitas dessas mobilizações, bem como negociações em que representou os interesses da população negra, fornecendo dados e argumentos baseados em evidências para efetivar essas mudanças sistêmicas."
Como resultado da aprovação da Lei de Cotas, a proporção de pessoas negras matriculadas no ensino superior cresceu dez vezes desde 1982, enquanto as matrículas de estudantes brancos aumentaram em quatro vezes. Esta década marcou a primeira vez na história do Brasil em que a representatividade da população negra ultrapassou a metade das matrículas no ensino superior, atingindo 50,3%.
"Apesar do número de estudantes universitários de baixa renda, pretos, pardos e indígenas ter aumentado, eles enfrentam muitos desafios relacionados à permanência e conclusão dos cursos, sendo os mais impactados em momentos de crise", comenta Frei David. "A maioria deles continua trabalhando em tempo integral para custear a educação e sustentar suas famílias. Devido a esse ônus adicional, esses estudantes levam mais tempo para concluir a jornada no ensino superior - não por reprovações, mas porque não podem cursar o mesmo número de créditos por semestre que outros estudantes. Além disso, a falta de estabilidade, tanto financeira quanto em termos de apoio psicológico e emocional, e um ambiente muitas vezes pouco acolhedor, contribuem para taxas de evasão mais elevadas entre os estudantes cotistas. Assim, embora haja um aumento nas matrículas, persistem desafios significativos que impedem esses jovens de desfrutarem plenamente do acesso à universidade."
Reformular as regras do jogo para corrigir a exclusão
Teólogo e filósofo, Frei David teve sua ordenação sacerdotal em 1983, na ordem franciscana, de onde surgiu a motivação para criar um cursinho pré-vestibular comunitário. Durante um encontro com a juventude franciscana de São João de Meriti (RJ), ele identificou que entre cem jovens, apenas uma ínfima parcela tinha aspirações de ingressar na faculdade. Percebendo que esses adolescentes estavam acostumados a empregos precários e sem acesso à educação, em 1989, Frei David decidiu desafiar o sistema e reinventar as regras de acesso ao ensino superior.
Juntamente com um grupo de católicos de São Paulo, Frei David propôs à Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo a concessão de bolsas integrais para estudantes negros de todo o Brasil. Embora inicialmente rejeitada pelo reitor, a demanda foi adaptada com a inclusão do termo "carente" e, posteriormente, estabeleceu-se um convênio com a PUC no Rio de Janeiro, concedendo bolsas de estudo a mais de 700 estudantes cariocas de baixa renda.
Expandindo o acesso por meio de cooperações com universidades privadas, Frei David criou um modelo comunitário de educação para jovens negros, preparando-os para exames de admissão ao ensino superior. As aulas aconteciam em locais já frequentados pelos jovens, como associações de bairro, igrejas e escolas, com professores voluntários. A primeira turma, chamada "Pré-Vestibular para Negros e Carentes" (PVNC), iniciou em 1993, sendo pioneira em cursos comunitários de preparação para exames de acesso ao ensino superior voltado para estudantes negros e de baixa renda.
Por ser facilmente adaptado e replicado em diferentes contextos, os pré-vestibulares comunitários se espalharam pelo país e, dois anos depois, já eram mais de 34 centros baseados no modelo criado por Frei David. Em 1997, o PVNC passou a se chamar EDUCAFRO Brasil e continuou a se propagar. Como resultado, mais de 60 mil alunos negros da EDUCAFRO Brasil se matricularam em instituições públicas e privadas de ensino superior e 2.300 cursos preparatórios foram fundados em todo o Brasil.
O modelo da EDUCAFRO Brasil estabelece que cada centro deve cobrir as disciplinas básicas dos vestibulares, enquanto também aborda o letramento racial, com aulas de Cultura e Cidadania. Na EDUCAFRO Brasil, os alunos debatem questões de justiça racial, autoestima, e a história da população negra no país.
Os alunos, professores e coordenadores da EDUCAFRO Brasil desempenharam papel crucial nas mobilizações pela Lei de Cotas, que desde 2012 reservou 50% das vagas em cursos de graduação em universidades federais para egressos de escolas públicas, preenchidas proporcionalmente por estudantes pretos, pardos e indígenas e, a partir de 2016, incluiu pessoas com deficiência. A revisão da Lei, sancionada em 13/11/2023, manteve as reservas raciais, incluiu estudantes quilombolas, ampliou as políticas de cotas para a pós-graduação e priorizou bolsas e auxílio para estudantes em situação de vulnerabilidade. Também aumentou as chances de ingresso dos cotistas raciais ao prever primeiramente a disputa pela ampla concorrência.
Instrumento de inclusão social e de reparação de assimetrias históricas, a política de cotas raciais visa reduzir o racismo e as distorções socioeconômicas dele decorrentes, além de garantir o acesso da população marginalizada ao ensino superior e à qualificação profissional.
Desdobramentos e novos horizontes
Junto à EDUCAFRO Brasil, Frei David também tem liderado ações civis públicas contra instituições que violam os direitos da população negra, destacando-se como propositor de uma inovação no sistema de justiça brasileiro. Além de responsabilizar os autores de práticas racistas, todas as verbas provenientes desses processos, administradas pelo Ministério Público, são revertidas em políticas públicas para a comunidade afro-brasileira. Simultaneamente, Frei David estabelece parcerias com empresas para reformular programas de recrutamento, implementar políticas de diversidade e proporcionar trilhas formativas aos estudantes da EDUCAFRO Brasil, abrangendo áreas como inovação e tecnologia.
Antecipando o futuro, Frei David reconhece a importância de assegurar que os direitos conquistados sejam preservados, proporcionando aos estudantes condições ideais para a conclusão de seus cursos. Isso inclui a expansão do acesso à pós-graduação e a garantia de inserção no mercado de trabalho, especialmente em setores emergentes e conectados com a nova economia criativa e sustentável.
"Para alterar as regras de um sistema opressivo e injusto, temos que reconfigurar todo um novo ecossistema: desde a supervisão efetiva da implementação das políticas públicas afirmativas e de reparação até a geração de evidências dos impactos positivos da inclusão para toda a sociedade. Além disso, é essencial ampliar o alcance e fortalecer este movimento, que não se limita ao Brasil, mas representa um desafio global", afirma Frei David.
A comunidade Ashoka abraça com entusiasmo as ideias inovadoras de Frei David e convida todas as pessoas interessadas em promover a equidade racial e a justiça social a conhecê-las.
Saiba mais sobre a trajetória de Frei David
Sobre a Ashoka
A Ashoka forma e cultiva uma comunidade de empreendedores e empreendedoras sociais, jovens e instituições transformadoras, entre outros atores, ligados pela consciência de que o mundo atual exige de toda pessoa assumir-se como agente de transformação — alguém capaz de criar mudanças positivas para o bem comum. Juntos, mobilizamos (e aceleramos) um movimento para construir Um Mundo de Pessoas que Transformam.
Sobre a Fundação Roberto Marinho
A Fundação Roberto Marinho inova, há mais de 40 anos, em soluções de educação para não deixar ninguém para trás. Promove, em todas as suas iniciativas, uma cultura de educação de forma encantadora, inclusiva e, sobretudo, emancipatória, em permanente diálogo com a sociedade. Desenvolve projetos voltados para a escolaridade básica e para a solução de problemas educacionais que impactam nas avaliações nacionais, como distorção idade-série, evasão escolar e defasagem na aprendizagem.
A Fundação realiza, de forma sistemática, pesquisas que revelam os cenários das juventudes brasileiras. A partir desses dados, políticas públicas podem ser criadas nos mais diversos setores, em especial, na educação. Incentivar a inclusão produtiva de jovens no mundo do trabalho também está entre as suas prioridades, assim como a valorização da diversidade e da equidade. Com o Canal Futura fomenta, em todo o país, uma agenda de comunicação e de mobilização social, com ações e produções audiovisuais que chegam ao chão da escola, a educadores, aos jovens e suas famílias, que se apropriam e utilizam seus conteúdos educacionais. Mais informações no Portal da Fundação Roberto Marinho.