Artigo: Sou branco, e agora?

"Não tenho culpa de ter nascido branco". Realmente ninguém tem culpa de ter nascido como nasceu. Eu não tenho "culpa" de ter nascido negra, mas sofro com os impactos do racismo desde sempre. Você não tem culpa de ter nascido branco(a), mas se beneficia do privilégio de ser branco. Sim, ser branco tem seus privilégios e vamos falar sobre isso.

Antes da gente avançar nesse papo, só quero que você entenda uma coisa: "Está tudo bem ser branco, ok?". O que não está ok é ser uma pessoa branca sem consciência, seja de raça, de gênero ou de classe.

Pessoas brancas podem e devem ser aliadas na luta antirracista. E o primeiro passo para ser um aliado é reconhecer o quanto essa estrutura social na qual vivemos historicamente beneficiou os brancos. É entender que as políticas públicas de cotas e inserção não são favores e sim reparação histórica e um direito de uma população que foi expropriada durante séculos.

O segundo passo é entender e assumir que sim, pessoas reproduzem atitudes racistas. Principalmente pessoas brancas. Afinal, historicamente vivemos em uma sociedade preconceituosa, então crescemos repetindo esses preconceitos, muitos deles linguísticos, como por exemplo expressões e palavras racistas como "denegrir" e "mulata", que muitos ainda utilizam.

Tem uma frase que eu gosto muito da Lia Vainer Schucman, uma mulher branca, professora do Departamento de Psicologia da UFSC e especialista na temática da branquitude: "O racismo precisa ser retirado da ideia moral. Somos todos racistas, aprendemos a ser racistas. Isso não quer dizer que não temos a responsabilidade de lutar contra isso".

Esse é o ponto! Nosso papo aqui não é sobre culpa, é sobre responsabilidade. Mas não confunda responsabilidade com a ideia de “ajudar” pessoas negras e indígenas num ímpeto salvacionista. Ter responsabilidade é entender a construção de sua racialidade, dos privilégios herdados e tudo isso servir de instrumento para formulação de reposicionamento social e enfrentamento ao racismo.

Os brancos precisam passar do discurso à prática antirracista, para isso é preciso refletir sobre o seu lugar na sociedade.

Querendo ou não, todas as pessoas brancas no Brasil adquirem privilégios dentro dessa sociedade que tem o racismo como parte de sua estrutura. O tão famoso 'racismo estrutural'. Esse privilégio é social, uma vez que pessoas brancas sofrem menos com o desemprego e a violência, por exemplo. E quem diz isso não sou eu, são dados estatísticos: Desemprego entre negros é 71% maior do que entre brancos, segundo dados do IBGE (Instituto brasileiro de Geografia e estatística). Os negros têm mais do que o dobro de chance de serem assassinados no Brasil, segundo levantamento do Atlas da Violência. Pretos e pardos representam 77% das vítimas de homicídio.

Pacto Narcísico da branquitude

Além do fato das pessoas brancas não se responsabilizarem e se silenciar sobre o racismo, há o que a professora Cida Bento chama de "pactos narcísicos da branquitude". Ou seja, os brancos, quase que de uma maneira automática, se protegem e legitimam o racismo ao escolher sempre seus pares brancos – têm preferência por brancos quando há uma seleção de trabalho, nas relações afetivas. A escolha do branco é sempre pelo branco.

A desigualdade é algo que validamos todos os dias há mais de 500 anos no Brasil. Há uma estrutura social, mantida por este pacto narcísico da branquitude que impede a presença e atuação de pessoas negras em locais de poder e tomada de decisões, sejam elas econômicas ou políticas, e isso perpetua as desigualdades.

Entende o que é ser branco no Brasil? É tudo isso e mais um pouco.