Notícia: Desafio de tamanho continental

2º dia do Congresso de Jornalismo de Educação da Jeduca tem relatos  de jornalistas de países latino-americanos e da África sobre dificuldades enfrentadas para a manutenção das atividades educacionais ao longo da pandemia

O segundo dia do 6º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, em São Paulo, abriu as portas para colegas estrangeiros da Colômbia, Costa Rica, México e Uganda, e o que se ouviu na primeira mesa de debates da terça-feira (13/09) foram histórias muito parecidas com as que testemunhamos no Brasil: a pandemia impactou as sociedades de maneira desigual e as consequências podem ser devastadoras para gerações de crianças e adolescentes.

A jornalista colombiana Paula Casas Mogollón (jornal El Espectador) explicou que, nas localidades mais pobres do país vizinho, apenas 13% dos estudantes tinham acesso à internet. E, com o fechamento das escolas durante o pico da pandemia em 2020, manter as atividades remotas se tornou um problema. Paula deu o exemplo de uma jovem de 15 anos que, para conseguir acessar ao conteúdo das aulas, decidiu procurar um emprego para comprar um celular. A estudante, do município de Granada (província de Antioquia), trabalhou com a família nos cultivos de uchuva, uma fruta típica da região andina, até conseguir juntar o dinheiro. “Só um professor enviava aulas para 40 estudantes por WhatsApp, mas, na realidade, não havia nem uma conexão fácil", pondera a jornalista.

A jornalista contou que outras ferramentas também foram utilizadas pelo governo colombiano como a transmissão de conteúdo via rádio, uma estratégia semelhante da desenvolvida pelas autoridades do México. No entanto, segundo o repórter mexicano Erick Juárez Pineda, nem todas as regiões do país foram atendidas e a iniciativa de rádios comunitárias organizadas por professores foram fundamentais para que estudantes de áreas rurais pudessem receber o material. A disparidade de infraestrutura é um ponto em comum à realidade brasileira. Por aqui, o último levantamento da pesquisa TIC Eduação, realizada pelo Comitê Gestor da Internet, indica que apenas pouco mais da metade das escolas em áreas rurais têm acesso à internet. Nos centros urbanos, esta taxa sobe para 98%.

Três pessoas estão sentadas em cadeiras sobre um palco de piso de madeira.
Jornalistas estrangeiros compartilham experiências.

A descontinuidade das atividades e a falta de articulação das políticas públicas também são problemas que ecoam entre os países da região. Na Costa Rica, onde aproximadamente um quinto da população é de estudantes, houve um verdadeiro “apagão da educação”, diz o jornalista Allan Arroyo (Rádio Colombia). Diferente de outros contextos, o país já sofria com as interrupções das aulas por conta dos embates políticos entre os profissionais da educação e o governo dois anos antes da pandemia do novo coronavírus. “Há um grande temor de que percamos uma geração completa. Esta geração que, por diferentes motivos, teve que deixar a escola ou que recebeu menos aprendizado, que não sabe ler ou escrever”, alerta.

A preocupação de Allan não é à toa. Um relatório divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância no início deste ano aponta que mais de 635 milhões de estudantes continuam sem acesso adequado à educação em todo o mundo. No Brasil, nos piores momentos da crise sanitária, mais de 5 milhões de estudantes ficaram sem aula, com consequências já perceptíveis. Em muitos Estados, por exemplo, três em cada quatro alunos estão fora do padrão esperado de leitura, de acordo com o UNICEF. Um outro estudo publicado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV Social) confirma que a taxa de evasão escolar saltou quase 200% nos últimos trimestres de 2020 na faixa etária de 5 a 9 anos.

"Na América Latina, o impacto da pandemia foi gigantesco, sobretudo para populações mais vulneráveis. Na Costa Rica, na Colômbia e no México há mudanças de governo, mas o combate à evasão é um desafio em comum. Falta acesso à tecnologia, Internet, e condições para suportar educadores em regimes de aprendizagem. A lacuna será sentida na próxima década e os jornalistas sabem do compromisso com a informação de qualidade para fortalecer o debate”, analisa José Brito, gerente do Canal Futura e mediador do encontro com os colegas estrangeiros.

Homem fala diante de uma câmera. Ao fundo, em tela de cor de azul, as palavras "Jornalismo" e "Educação".
José Brito, Gerente do Canal Futura, mediou uma das mesas do evento.

Direitos desrespeitados

Além da experiência latino-americana, o encontro ainda contou com a participação vinda do outro lado do Atlântico. Em Uganda, na África Oriental, a jornalista, correspondente da BBC News, Patience Autuheire contou que muitas meninas não puderam voltar para a sala de aula porque engravidaram ao sofrer abuso sexual. Ela explicou ainda que os jovens também estão deixando os estudos para procurar emprego em atividades de mineração ou migrando para países do Oriente Médio em busca de melhores condições de vida. Em todos os casos, a perda do vínculo é dramática e – como na América Latina – atinge amplamente os segmentos mais pobres da população. “Não só porque a pandemia terminou que esses problemas sumirão, os efeitos serão duradouros”, avalia a correspondente.

Cobertura em tempos de polarização

Numa outra mesa realizada na manhã desta terça-feira, as ameaças ao livre trabalho da imprensa também foi pauta. Participaram da conversa os jornalistas Felipe Moura Brasil, Maria Cristina Fernandes e Vera Magalhães, que é algo frequente de ataques por parte do presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores.

“Eu acho que a gente vive um momento em que a mídia, a imprensa profissional, foi colocada como inimiga. E foi colocada como alvo de ataques e isso sai do ambiente virtual, para resvalar, muitas vezes, para risco físico, para ameaças que põem em xeque a segurança profissional dos profissionais e, principalmente, das mulheres jornalistas. Isso nos coloca em situação similares a outros países que viveram o esgarçamento da democracia recentemente” - afirmou a comentarista de O Globo e CBN.

Quatro pessoas estão sentadas em cadeiras sobre um palco de madeira.
Mesa sobre eleições reuniu nomes conhecidos do jornalismo político.

Segundo a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), 230 profissionais e veículos de comunicação sofreram algum tipo de ataque não letal no ano passado, número 21,69% maior que em 2020. Esse cenário também afeta o jornalismo de educação, que tem enfrentado outros desafios, como aponta a jornalista Maria Cristina Fernandes:

“O jornalista de educação não tá tendo uma vida muito fácil, não! São cinco ministros, né? Então, na hora que você construiu uma relação com uma fonte, aquilo ali muda tudo. E, de alguma maneira, reflete as ênfases que a educação teve ao longo do governo Bolsonaro. Então, o próprio trabalho já foi mais difícil do que em qualquer governo. E, como eu acho que a concepção desse governo é uma concepção de adestrar as crianças e os jovens, qualquer questionamento, no sentido de uma educação que leve a pensar, eu acho que já é hostilizado”.

Os convidados também discutiram sobre como os grupos políticos alimentam uma “guerra cultural” através da educação. Para Vera Magalhães, os debates não priorizam mais indicadores e dados, mas algumas disputas ideológicas em torno de temas como homeschooling, questão de gênero e “escola sem partido”.

Nossa equipe procurou a assessoria de comunicação do Palácio do Planalto, mas até o fechamento desta reportagem não teve resposta.

Jeduca

O 6º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação é organizado pela Jeduca, uma associação livre que reúne jornalista que cobrem o setor. Este ano, o tema foram as eleições e a cobertura de educação nos próximos anos.

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